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A RESPIRAÇÃO no Pilates: desconstruindo um padrão de pensamento.

1) Por quê falar sobre respiração?

R: Aprendi estudando ciências humanas que se quisermos conhecer profundamente um autor devemos nos preocupar em entender quais eram os problemas que este autor visualizava, assim como quais conceitos, valores, idéias e técnicas este autor resgatou e/ou criou para tentar resolvê-lo.

No caso de Joseph Pilates, é notável em seus escritos, sua preocupação com o quadro de saúde pública, das duas primeiras décadas do século XX, na sociedade alemã. Como solução para tais problemas Joseph Pilates cria um método de exercitação cujas características convergem para a realização de um princípio fundamental: a unidade psicofísica.

Ora, não seria justamente a respiração o elo entre o físico e o mental? Todos nós sabemos da importância dada à respiração dentro do Pilates, no entanto é fundamental compreendermos quais noções fizeram Joseph Pilates dar tanta importância para este assunto. Observe:

“Entremeados às práticas religiosas e supersticiosas dos antigos indianos, haviam muitos exercícios corporais, atestando grande semelhança com aqueles dos chineses. A mais proeminente entre elas era a retenção do ar na respiração. Eles insistiam na idéia de que o ar produz no corpo o mesmo efeito que o fogo produz em metais expostos a sua influência, isto é, purifica-o.” (Pilates, 1960 – texto: Pilares da contrologia)

A experiência de Joseph Pilates com as culturas orientais como o Yoga e o Kung Fu estão na origem de sua concepção fundamental – a busca da saúde pela harmonia entre corpo e mente. No caso do desenvolvimento de sua técnica, Joseph Pilates usa muitos exercícios onde a retenção do ar é feita por alguns segundos (coordination, backstroke, breathing).

Além da técnica nos exercícios, outra influência marcante na contrologia foi a compreensão de que um sistema de exercitação deve ser coerente e articulado com uma filosofia de vida e com uma concepção abrangente de saúde.

2) Quais são as Angustias do Professor de Pillates em relação ao tema?

R: Uma em especial parece incomodar bastante: como ensinar meu aluno a respirar corretamente? As respostas abaixo darão conta de desconstruir a demanda dessa pergunta!

3) Qual é o papel da respiração dentro do Método Pilates?

R: Promover uma experiência de unidade psico-física e também está associada à ideia de circulação e limpeza de impurezas e toxinas.

4) Existe uma forma correta para se respirar?

R: Existe um arranjo postural onde o diafragma tem mais liberdade para realizar a sua função, principalmente quando há um alinhamento dos centros de massa do corpo contra a gravidade e quando as alavancas da coluna preservam as suas curvaturas fisiológicas dando suporte para os pilares do diafragma. Esse arranjo postural fisiológico não é um ideal onde todos devem ser enquadrados. Cada sujeito, dentro da sua pulsão corporal pode encontrar a liberdade suficiente para uma respiração livre!

5) Respiramos todos do mesmo modo?

R: Philippe Campignion afirma que “respiração e estática são inegavelmente ligadas. O diafragma, ator principal da respiração, depende da estática. Nossa Pulsão corporal, ou seja, a forma como nos organizamos contra a gravidade determina a maneira como cada um pode respirar. Nossa respiração, que nada mais é do que preencher espaços, será moldada de acordo com a liberdade disponível para o ator principal poder atuar: o diafragma.

Nas posturas representadas acima por Joseph Pilates e também pelas figuras do livro de Philippe Campignion, repare como os centros de massa (bacia, caixa torácica e cabeça) se organizam de forma diferente em relação à linha de gravidade das figuras. Essa organização determina o quanto de liberdade de movimento a caixa torácica pode ter para se expandir. No caso das primeiras figuras, a expansão posterior da respiração (nas costas) será muito prejudicada, ao passo que nas últimas duas a expansão anterior será prejudicada. Agora uma coisa é importante compreender, segundo (De Mayor, 2012) as particularidades respiratórias encontradas nas diversas estruturas arquetípicas não correspondem a desvios patológicos, e é extremamente importante compreender que a forma não necessariamente configura um problema. O excesso, porém, pode levar na direção de um quadro patológico.

Esse excesso deve ser compreendido como a fixação em um padrão sem a possibilidade de adaptabilidade conforme as situações cotidianas.

6) Faz sentido começar uma prática querendo ensinar alguém a respirar?

R: Na minha opinião, dentro do que acabamos de ver acima, muitas vezes um bloqueio de mobilidade provocado por excesso de tensão em uma cadeia muscular pode impedir a pessoa de ter a liberdade suficiente para um padrão fisiológico respiratório. Logo, podemos concluir que antes de nos preocuparmos com o ato inspiratório ou expiratório devemos nos envolver com o movimento organizado e com a liberação de espaço.

No caso do primeiro sujeito da figura acima, que caracteriza-se por seu grande diâmetro ântero-posterior. O diafragma, coitado dele, acompanha anteriormente a horizontalização do esterno, levando consigo o centro frênico para uma posição mais anterior. Nesse caso antes de pensar em educar a respiração podemos começar propondo as experiências de enrolamento para tirar a tensão de toda a cadeia extensora que está provocando a abertura das costelas.

Depois dos enrolamentos comece a educar a percepção desse aluno de que ele pode respirar sentindo o ar se deslocando para as costas. Tudo isso dentro da ideia de que não há um padrão ERRADO e sim que há outras possibilidades de respiração, afinal a ideia de respiração ideal está diretamente ligada com a ideia de postura ideal.

Mais importante do que uma ideia fixa de postura ideal, devemos nos preocupar com o conceito de ADAPTABILIDADE, que nada mais é do que preparar o seu aluno para que ele tenha liberdade de expressão e movimento, independente se a postura final dele vai mudar ou não!

7) Por quais razões houve um grande movimento dentro das Escolas de Pilates, não todas, para padronizar uma forma de respiração dentro do movimento – Inspira parado e expira no momento da força?

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R: Possivelmente pela ideia equivocada de que devemos pedir uma ação antecipatória dos músculos centrais do corpo para a realização dos movimentos, o chamado Power House. Ou seja, o professor de Pilates ainda é influenciado pela ideia de que é necessário associar o conceito de estabilização com rigidez. Um dos problemas é que as pessoas costumam interpretar estabilização como redução de movimento, a ideia de que você faz alguém ficar mais estável tirando movimento.

No entanto, dentro de uma perspectiva biomecânica e fisiológica a estabilidade do CORE relaciona-se com ótimo controle, ou seja, um equilíbrio entre movimento e rigidez…… precisamos ter movimento para transferência de forças através do corpo. Outro equívoco em relação a isso é a ideia de que há uma maior estabilidade da coluna lombar no momento expiratório, devido a ação do transverso abdominal, essa afirmativa pode ser refutada por diversos estudos publicados visando essa investigação, (McGill et al., 1995; Hodges et al., 1997; Grenier et al., 2000; Hodges & Gandevia, 2000; Kang & Lee, 2002; Hamaoui et al. , 2002, Shirley et al., 2003, Saunders et al., 2004; Wang & McGill, 2008).

Parece haver um consenso na comunidade científica de que quando o sistema ventilatório é submetido ao estresse, como no exercício, a estabilidade da coluna aumenta com o aumento do volume pulmonar e a co-contração dos músculos inspiratórios, com o pico de estabilidade ocorrendo perto do pico inspiratório.

Isso pode ser explicado pelo mecanismo do aumento da pressão interna abdominal na fase inspiratória associada à co-ativação de toda a cadeia de músculos inspiratórios cujo ator principal é o diafragma. Quando o diafragma se contrai ele empurra a massa visceral para baixo, esta permanece contida graças à tonicidade do Transverso abdominal (este realiza uma contração excêntrica na inspiração: lembre-se Professor não ativamos o transverso somente ao expirar), que dirige a pressão para cima, o que contribui para a ereção do tronco, de um lado, e evita o excesso de pressão na pequena bacia de outro. Além disso a tonicidade dos grandes retos do abdome é, certamente, responsabilizada por manter o esterno vertical, evitando a dissociação esternocostal no momento da inspiração.

Notemos que todo esse jogo de pressão/estabilização depende de uma organização global que envolve vários músculos, se o seu aluno não consegue inspirar sem promover uma dilatação abdominal excessiva, possivelmente todo esse mecanismo estará disfuncional, assim como sua estrutura de estabilização estará em risco.

Não à toa, atletas que precisam de uma coluna vertebral muito estável (por exemplo, halterofilistas e sprinters) enchem seus pulmões durante as fases mais críticas de solicitação das alavancas da coluna em suas práticas esportivas. E se o leitor reparar bem, em qualquer situação que envolve perigo à sua integridade física, instintivamente mantemos nossos pulmões cheios de ar!

8) Por quê educar as pessoas dentro de um padrão único pode comprometer a qualidade do movimento?

R: Um bom movimento não se relaciona somente com a interação harmoniosa entre as diferentes partes do corpo, mas sim em como o sistema interage com o ambiente em resposta às mudanças inesperadas.

Logo, ensinar o corpo a começar a se movimentar a partir de um determinado padrão único, pode não ser uma estratégia inteligente para preparar nossos alunos para os desafios que o dia-a-dia lhes impõem. O problema do Pilates é que ele fica preso a uma forma ideal de COMO devemos nos movimentar! Devemos mudar o foco das nossas perguntas para encontrar, talvez, novas PERSPECTIVAS!

9) Existe um problema Ético na frase – “Você respira de forma errada”?

R: Philippe Campignion afirma que a respiração está intimamente ligada à mecânica global do corpo e, sobretudo, que respirar é preencher espaços. O autor deixa claro que “tipologia não é defeito”. As particularidades respiratórias encontradas nas diversas estruturas arquetípicas não correspondem a desvios patológicos, e é extremamente importante compreender que a forma não necessariamente configura um problema. O excesso, porém, pode levar na direção de um quadro patológico.

(De Mayor, 2012)

Cada indivíduo, dentro das suas circunstâncias de vida assume um determinado padrão postural naquele momento, esse padrão pode ser favorável ou não há uma liberdade respiratória.

Referências bibliográficas

1. Campignion, Philippe – Respir-ações: A respiração para uma vida saudável – São Paulo: Summus, 1998.

2. Feldenkrais, Moshe – Consciência pelo movimento (tradução de Daisy A. C. Souza); São Paulo, Summus, 1977.

3. Fiasca, Peter – Descubriendo el Pilates Clássico Puro: Teoría y Práctica conforme a la intención de Joseph Pilates, 2012.

4. Kolyniak Filho, Carol; Garcia, Inelia Ester – O autêntico método Pilates de Condicionamento físico e mental (contrologia): Contribuições para uma fundamentação teórica. São Paulo: The authentic Pilates Studio Brasil, 2012. 2⁰ edição.

5. McGill, Stuart – Core Training: Evidence Translating to Better Performance and Injury Prevention. Spine Biomechanics; University of Waterloo, Ontario, Canada. Vol32; n°3; 2010.

6. Marés G, de Oliveira KB, Piazza MC, Preis C, Bertassoni L Neto – A importância da estabilização central no método Pilates: uma revisão sistemática. Fisioter Mov. 2012 abr/jun;25(2):445-51

7. Pilates, Joseph Hubertus – Escritos (Your Health & Return to life of through contrology): The authentic Pilates Studio Brasil, 2012. 228p.

8. Poletto R, Toigo AM. Efeitos da prática do Método Pilates em atletas de diferentes modalidades. Revista Saúde e Desenvolvimento Humano 2017;5(2):59-65.

9. Richardson. C, Hodges. P.W, Hides. J – Fisioterapia para estabilização lombopélvica: um sistema de controle motor para tratamento e prevenção da lombalgia – São Paulo: Phorte, 2011 2⁰ edição.

10.Silva R. B. F, Guerino M. R – Método Pilates: benefícios e aplicabilidade para melhorar a qualidade de vida. Fisioterapia Brasil 2019;20(2):249- 262.